Fare Thee Well

2 de fevereiro de 2019

Foi uma noite tempestuosa a que Joan Baez escolheu para se despedir dos palcos em Lisboa. E debaixo de uma chuva torrencial, a cambalear com o vento, apanho o metro direto ao Coliseu dos Recreios para assistir a um dos melhores concertos da minha vida. Parece que também o tempo se revoltou quando soube que seria a última vez que a ouvíamos. E lá estava ela, tal como a conhecemos, com a mesma fé de que uma canção pode fazer a diferença. 


Entra em palco pouco depois das 21.30h com Don't Think Twice It's Alright e já aplaudíamos de pé. Não é surpreendente que inicie este concerto com Bob Dylan, amigo de longa data e amor de outrora, é, tal como nos diz, um dos melhores compositores de sempre: "we do a lot of Bob Dylan songs because he wrote the best music". Ouvimos ainda It Aint Me Babe, Forever Young e Hard Rains A-Gonna Fall - o que eu não dava para os ver tocar juntos! Notamos que os vibratos pelos quais era conhecida já não estão tão presentes e, em certas canções como as últimas, em que se pede que uma nota alta se prolongue, percebemos que a força do tempo é invencível. Ainda assim, com 78 anos e 60 de carreira, a voz forte, limpa e emotiva, tocada como o mais frágil dos instrumentos, consegue transportar-nos para Newport, tal como em 1967.

Dedica a segunda canção aos mais desafortunados, ao que estão presos, aos alcoólicos, aos que sofrem com a maior das tristezas, aos que são bombardeados. Falo-vos de I'm The Lucky One, canção com mais de sessenta anos, toca-nos tão profundamente que penso "ela está melhor do que nunca!". E com uma t-shirt de um roxo vivo e letras psicadélicas, leva-nos de volta ao Woodstock com Joe Hill no final do concerto, mas não sem antes ouvirmos Farewell Angelina, Diamonds & Rust, Donna Donna, Gracias A La Vida e Here's To You, no encore. Como grande cantora e grande humanista, toca-nos Deportee, canção escrita por Woodie Guthrie em 1948, sobre um acidente de avião em Los Gatos que transportava migrantes da Califórnia de volta para o México. Quando os jornais escreveram sobre a notícia não deram nomes às vítimas, referiram-se antes aos "deportees". Esta canção pretende devolver-lhes os seus nomes: Juan, Rosalista, Jesús e María, adiós mis amigos. Do mais recente álbum gravado o ano passado, Whistle Down The Wind, ouvimos a canção que dá o título ao mesmo escrita por Tom Waits, Another World, sobre um mundo que precisamos mas que não teremos, Silver Blade,  um verdadeiro twist no folk clássico, Hello In There e The President Sang Amazing Grace, "sobre a altura em que a América tinha um presidente a sério" citando-a, conta-nos o episódio em que Obama, por não ter palavras face ao tiroteio de Charleston church, canta uma canção.

Se me perguntarem porque é que aprecio tanto a música dos anos 60, conto-vos que é por momentos como os de ontem. Houve uma altura em que nasceu uma música com propósito, uma música que procurava dar voz a quem não tinha, uma música de protesto e de coragem. O folk tem estas raízes e ninguém canta estas canções tão bem como Joan Baez. Num concerto tão íntimo como o de ontem, mais próximos nos tornámos quando cantámos em conjunto a Grândola Vila Morena. Ontem, a História cantou a História. Como soamos bem em uníssono. 

Com Imagine no encore, não poderíamos terminar de melhor maneira - yes, we are dreamers. Cantámos e aplaudimos efusivamente, como quem não a queria deixar ir. E depois de Baez, o tempo acalmou. A chuva e o vento pararam. Acalmámos também. E viemos para casa em passo lento, com as nossas ideias.



"To sing is to love and affirm, to fly and to soar, to coast into the hearts of people who listen to tell them that life is to live, that love is there, that nothing is a promise, but that beauty exists, and must be hunted for and found."

- Joan Baez

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